top of page

Leonardo Alexander do Carmo Silva - Université Sorbonne Nouvelle Paris3

O ser marginal na obra de Cassandra Rios

 

Cassandra Rios, pseudônimo da escritora paulista Odete Rios, ocupa um lugar paradoxal nas letras brasileiras: ainda que tenha se tornado a primeira escritora brasileira a atingir a marca de um milhão de exemplares vendidos e ainda que, no auge da sua produção literária, nos anos 1970, tenha mantido uma média de 300.000 livros vendidos por ano, um certo silêncio e desinteresse paira sobre sua obra, essencialmente desconcertante. Não é difícil elencar os motivos pelos quais tanto autora quanto obra foram marginalizadas ao longo dos anos: trata-se de uma escritora mulher; lésbica; autora de livros (des)qualificados como pornográficos e que tratam do desejo feminino; e vista como autora menor pela crítica literária que tende a julgar a sua escrita como sendo demasiado “simples” e “popular”. Vale ressaltar também que, por contrariarem certos “valores morais da família”, muitos dos seus livros foram alvo da censura durante a ditadura militar.

Grande parte da produção literária da de Cassandra Rios, composta por mais de cinquenta romances, é consagrada à descrição de relações homossexuais femininas em cenários urbanos. Assim, a autora não somente garantiu a existência da figura da lésbica na literatura brasileira (e em posição de destaque), como deu voz a tais personagens que, em seus romances, expressam seus desejos e suas angústias. O sentimento de inadequação, bastante presente nesses romances está, geralmente, associado à busca de uma identidade, identificação ou até mesmo por um conceito de lesbianidade. Nosso trabalho tem por objetivo mostrar de que maneira Cassandra Rios, através de suas personagens femininas, dá visibilidade a uma marginalidade, representando um “estar/ser à margem”. Nos interessaremos, portanto, aos dispositivos utilizados pela autora para colocar em evidência o lugar social ocupado pelas mulheres homossexuais nos anos 1960 e 1970. Procuraremos mostrar, assim, que o conceito de “marginalidade” é fundamental para se compreender a obra da escritora brasileira.

************

 

Luciene Marie Pavanelo - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Da presença(?) feminina nos romances históricos oitocentistas

 

Os romances históricos oitocentistas não nos parecem um terreno propício para o desenvolvimento das personagens femininas, que, quando aparecem, geralmente têm um papel secundário, servindo de pretexto para as ações heroicas dos protagonistas masculinos – a tradicional cena da donzela em perigo, que necessita ser salva por um cavaleiro. Se isso é verdade para a maioria das personagens vindas da nobreza, parece-nos que o retrato feito das mulheres do povo é um pouco mais complexo. É nosso objetivo, nesta comunicação, discutir o papel que as personagens femininas possuem não apenas nos grandes modelos da ficção histórica – Walter Scott, Victor Hugo e Alexandre Dumas –, mas também nos romancistas portugueses do século XIX – Alexandre Herculano e Almeida Garrett – que dialogaram com esses modelos.

***********

 

Luís Bueno – UFPR

Histeria e estigma no romance naturalista brasileiro em 1888

 

A histeria foi vista, durante séculos, como uma doença feminina, cuja origem estaria nos ovários. Na segunda metade do século XIX, a medicina começa a estabelecer uma nova visão dessa doença, que passa a ser percebida como uma afecção nervosa, sem qualquer origem física determinada e, portanto, não exclusivamente feminina, a partir do trabalho do francês Jean-Martin Charcot, além do de Freud e Breuer, que publicariam seus Estudos sobre a Histeria em 1896.

Numa estética por assim dizer medicalizada, como é a naturalista, é compreensível que a histeria seja uma presença constante no romance naturalista francês, e nós a encontraremos em obras de Zola, Octave Mirbeau, dos irmãos Goncourt, chegando mesmo a emergir para o título no romance L'Hystérique (1885) do belga Camille Lemonnier.

No romance brasileiro, a histeria apareceria como tema central pela primeira vez em O Homem, de Aluísio Azevedo, publicado em 1887. O impacto desse livro, que teve três edições em poucos meses, causou uma espécie de contaminação na leitura que a crítica faria de outros romances publicados no ano seguinte: A Carne, de Júlio Ribeiro, Hortência, de Marques de Carvalho e O Cromo, de Horácio de Carvalho. Tal “contaminação” fica clara em artigo de um dos mais renomados críticos brasileiros do período, José Veríssimo, que relaciona diretamente os dois primeiros a O Homem, como se as três obras fossem “estudos sobre a histeria” – e, note-se, não se tratou de manifestação isolada de Veríssimo, já que essa “contaminação” também surge, por exemplo, nos textos sobre A Carne escritos por Senna de Freitas e Alfredo Pujol. Em essência, o que esses críticos fizeram foi caracterizar como histéricas personagens femininas que não eram assim simplesmente caracterizadas nos romances – isso sem mencionar que a histeria em O Homem é muito mais complexamente apresentada do que a mera carência do “homem” a que foi reduzida pela crítica e reconhecida pela forma como o senso comum via, e talvez ainda veja, a sexualidade feminina.

O presente estudo pretende apresentar rapidamente a maneira específica, em relação ao romance francês, como a histeria foi tratada em O Homem, para em seguida centrar seu foco de análise em A Carne, Hortência e O Cromo, na tentativa de demonstrar como o estigma da histeria feminina produziu uma imagem estigmatizadora de obras que, ao contrário, procuraram escapar a uma representação estigmatizada da mulher ao criar heroínas peculiares que acabaram sendo consideradas inverossímeis ou insignificantes. Não é coincidência que O Homem tenha permanecido como obra canônica da literatura brasileira do período enquanto os demais tenham permanecido desvalorizados – caso de A Carne – ou quase completamente desconhecidos – casos de Hortência e O Cromo.

************

 

 

Márcia Regina Schwertner – Universidade do Porto

O planeta desconhecido e romance da que fui antes de mim, de Luísa Dacosta: a velhice e a solidão do corpo como retratos da marginalidade feminina

 

A partir da análise do livro O planeta desconhecido e romance da que fui antes de mim, da escritora portuguesa Luísa Dacosta, este trabalho aborda a presença do corpo como elemento de descoberta de si e enfrentamento ou submissão às normas sociais vigentes. Ao apresentar a trajetória de Ana e Luísa, avó e neta, Dacosta atenta para a dependência que acompanha a velhice e para a forma como físico e psicológico se mesclam em um círculo vicioso marcado pela exclusão e pelo isolamento. Diminuição do poder econômico, enfraquecimento do corpo, necessidade de ajuda de familiares, internamento em instituições assistenciais, a fragilidade que marca as vivências de uma pessoa idosa vem acompanhada de um imaginário de impossibilidades não necessariamente verdadeiro, mas que se consolida progressivamente e se concretiza a partir da visão da juventude como período auge do ser humano. No momento da velhice e da doença, Luísa recorre à Ana, tornando a trama de Dacosta exemplar como retrato da dupla marginalidade enfrentada: é mulher e é idosa. Ao escrever a morte da avó, a neta consegue vencer o seu próprio desaparecimento, é pelo corpo escrito na proximidade da morte que a memória se constitui, construindo literariamente um idoso protagonista e ainda sujeito no momento da velhice. Para melhor compreensão do tema, serão observados também retratos da pessoa idosa encontrados nos livros Mar Azul, de Paloma Vidal, e Passagens, de Teolinda Gersão, e na crônica “De armas na mão pela liberdade”, de Rachel de Queiroz. A teoria que embasa o estudo se ampara em Beauvoir (1970), Perrot (1988), Bosi (1996), Debert (1999), Constança Paúl (2000), Norbert Elias (2003), Ricoeur (2007) e Fonseca (2014).

************

 

 

Márcia Regina Schwertner e Roseli Bodnar – Universidade do Porto

Mulher (im)possível: identidade e conflito em A moratória, de Jorge de Andrade.

 

O presente trabalho analisa a peça de teatro “A Moratória”, do autor brasileiro Jorge de Andrade, publicada na década de 1950.  O texto apresenta a família de Joaquim e Helena, representantes da elite rural paulista arruinada pela crise cafeeira durante o período Vargas.  A peça, em uma construção inovadora que engloba diferentes planos espaciais e temporais, reflete sobre o impacto dos conflitos políticos na vida privada dos personagens e as reações destes frente à perda de poder econômico e de prestígio social. No novo ambiente no qual a família se encontra inserida, o peso da marginalização recai especialmente sobre o elemento jovem feminino, Lucília, a filha do casal. A personagem feminina percebe-se centro de um conflito de gerações que transcende o ambiente familiar, sendo provocado e inserindo-se em um momento social de transição que não contempla mais os personagens como entes capazes de construir expectativas minimamente satisfatórias. Lucília sofre um processo de exploração generalizada, seu corpo desgasta-se até o ponto do esgotamento físico e psicológico.  Porém, o retrato construído por Jorge de Andrade não fala da sua exploração como objeto sexual, mostra-nos um outro viés, marcado mesmo pela inviabilidade da realização do desejo a partir de uma gradativa desumanização que transforma o corpo em máquina de trabalho. A percepção desse processo é reforçada cenicamente: Lucília, sentada junto à máquina de costura, torna-se extensão do objeto mecânico. Como embasamento teórico do estudo realizado, foram pesquisadas questões atinentes à violência simbólica e a dominação masculina, bem como aspectos relativos à crise cafeeira do Brasil e à era Getúlio Vargas.

************

 

 

Margara Russotto - University of Massachusetts, Amherst (USA)

Gestos marginales/Estrategias centrales

 

La obra de Adélia Prado (Divinópolis, Brasil, 1935) ha seducido a sus lectores con una poesía aparentemente despretenciosa, directa y de temas en cierto modo accesibles a todos. En efecto, escenarios domésticos y numerosas referencias a la vida de la provincia o del barrio popular, son temas inmediatamente identificables en su poesía. Imágenes como la del hombre que se para en la puerta de su casa con un palillo en la boca después de almorzar, por ejemplo, o la de alguien que llama a los perros batiendo un hueso en el suelo, revelan fogonazos de un mundo espontáneo, desintelectualizado, de una cotidianidad más rural que urbana y ajena a todo tipo de elaboración estética. Desde Bagagem (1975) hasta Manuscritos de Felipa (1999), y también más allá, estos temas constituyen evidencias de marginalidad en varios sentidos, tanto en las marcas del orden femenino recluído en un espacio limitado, como en la preferencia por retomar un contexto considerado banal e intrascendente (vecinos, cocina, chismes de barrio, religión popular, expresiones coloquiales). Nuestra  propuesta de lectura quisiera explorar el sentido que adquieren estos “gestos marginales”, problematizando su función dentro de una posible estrategia discursiva central que permea buena parte de la obra de esta importante escritora brasileña. Los aspectos principales que vamos a discutir parten de la pregunta sobre qué es lo “marginal” en un texto poético de Adélia Prado y cómo se manifiesta en los siguientes niveles: 1) en la relación entre el sujeito lírico y el otro; 2) en la construcción de la identidad femenina; y 3) en la inscripción literária que el sujeto lírico se (auto) atribuye en el canon de la literatura del Brasil. Esto sugiere indirectamente el poder de la poesía como um constructor de identidades, y también como um prisma revelador de los conflictos entre “realidad” y “representación”.

************

 

Maria Aparecida da Costa - UFRN

A Representação Feminina em A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge

 

Lídia Jorge é uma representante atuante da literatura portuguesa contemporânea. Em seus escritos, tematiza questões complexas a exemplo da guerra colonial, bem como se dedica a ilustrar temas como a luta das mulheres por autonomia, trazendo à luz debates sobre a marginalização feminina na sociedade portuguesa, conforme vimos no conto “Marido” (1997); ou, ainda, quando trata da esterilização feminina como meio de cercear um desejo que não era aprovado pela família, conforme ocorre no romance O vento assobiando nas gruas (2002). No romance A costa dos murmúrios (2004), Jorge apresenta um enredo sobre as consequências da guerra colonial e expõe os reflexos dessa guerra na sociedade portuguesa, ampliando o destaque para os indivíduos sem voz, como o caso das mulheres dos militares portugueses que os acompanhavam, meramente para distrai-los, durante a luta. Destarte, o objetivo desse estudo é observar a forma que a escritora representa a figura feminina aniquilada, marginalizada e vista a partir da sombra do homem no contexto da guerra colonial. A protagonista de A costa dos murmúrios, Evita, narradora da história, vai a Moçambique, ao encontro de seu futuro marido, no entanto, toda a história que Evita conhecia sobre a África, seu noivo e os militares portugueses vai sendo modificada quando a ingênua Evita começa a observar o comportamento dos homens e o tratamento que estes desferem às suas esposas e aos moçambicanos. É notável, pois, que a experiência em Moçambique vai amadurecer e transformar Evita em Eva Lopo. Essa mulher madura narra a história vivida, ironicamente, se referindo às outras mulheres como: “a mulher do Fonseca”, “a mulher do capitão”, indicando o papel dessas figuras naquele contexto, mostrando que estas mulheres perdem a identidade para assumir a dos esposos, em um processo de exilamento de si mesmas, de suas vontades e desejos.

************

 

 

Maria Cláudia Rodrigues Alves – UNESP/IBILCE

Ser e pertencer: personagens em busca de identidade em Tatiana Salem Levy

 

Tatiana Salem Levy é uma viajante. Sua primeira viagem foi aos nove meses quando seus pais, exilados políticos em Portugal, regressam ao Brasil beneficiados pela Lei de Anistia. O leitor que se der o trabalho, e prazer, de ler a obra de Tatiana Salem Levy perceberá que todo tipo de viagem é marcante para a escritora, essencial em sua trajetória, mas que a viagem mais emocionante e perene de Tatiana é a da escrita. Apesar de despontar no cenário literário com o romance A chave de casa, autoficção na qual a escritora busca suas próprias origens e identidade, são em seus contundentes contos que a escritora luso-brasileira torna-se, a nosso ver, uma das autoras mais instigantes da atualidade. Nesta apresentação, pretendemos expor os caminhos poéticos de seus personagens, marginais num cenário de pluralismo cultural ou estrangeiros a si mesmos, como sugere Julia Kristeva (1989)?

************

 

 

 

Maria Cristina Pais Simon - Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3

«O(s) que fazem mulheres» nos «livros para homens» de Oitocentos e da Primeira República

Assiste-se em Portugal, a partir dos finais de Oitocentos e nos primeiros anos da República, à multiplicação das bibliotecas, da produção editorial, da tradução, a que se junta, anualmente, a importação de milhares de livros estrangeiros. Embora a língua e a literatura estejam no primeiro plano, a maior parte dos editores publica também « colecções » e « bibliotecas » tematicamente especializadas: literatura infantil, humorística, feminina… e «livros para homens», variedade quantitativamente importante de carácter erótico e pornográfico, proibida pela lei, mas frequentemente disfarçada com astúcias várias. Esta produção está reunida na «Biblioteca Serões e Sesta», na «Biblioteca Curiosa», na «Biblioteca Científico-sexual do Doutor Désormeaux», na «Biblioteca Picante», na «Colecção Amorosa», na série «Tuberculose Social», entre muitas outras. Trantando-se de um género muito apreciado, eram publicados, em paralelo, textos isolados como Contos Bizarros, A Pérola: um jornal do erotismo ou O pauzinho do Matrimónio. Eram também correntes os almanaques, entre eles o «Almanaque dos Amantes» e publicações periódicas como O Pardal, O Bidé, O Malcreado.

A partir de textos deste corpus, e nos parâmetros da rígida sociedade burguesa da época, propomos analisar nesta comunicação a representação e o conceito de «mulher», bem como o modo de expressão da marginalidade feminina própria a este contexto. Para isso, a análise estará submissa à natureza dos textos, médica, social, moral, ou puramente sexual, no que salientaremos o deslize do erotismo para a pornografia e a consequente visão do feminino.

************

 

 

Maria do Carmo Cardoso Mendes – Universidade do Minho

Sombrios desejos: marginalidade e transgressão na obra de Judith Teixeira  

 

A obra literária de Judith Teixeira revelou um ostensivo desvio dos padrões da sua época. Atesta-o o facto de a sua primeira coletânea poética, Decadência (1923), ter sido apreendida e destruída. Pondo em causa preconceitos epocais sobre a sexualidade feminina e representando poeticamente o desejo homossexual, as suas criações literárias sofreram uma declarada marginalização.

A comunicação, centrada nas coletâneas poéticas Decadência, Castelo de Sombras (1923) e ua. Poemas de Bizâncio (1926), tem assim como principais propósitos: 1) identificar a representação da sexualidade feminina na obra poética de Judith Teixeira; 2) Reconstruir as imagens do desejo homoerótico; 3) Explicitar os vetores que constroem a representação do interdito; 4) Determinar de que modo a obra poética de Judith Teixeira configura “um ser à margem” que se auto-representa na conferência De Mim (1926) nos seguintes termos: “As minhas emoções não podem obedecer a pautas nem a conceitos tradicionais”.

************

 

 

Maria do Rosário Neto Mariano – Universidade de Coimbra

Nas Margens da margem: género normativo e género subversivo em personagens femininas de Clarice Lispector

 

No texto proposto, pretende-se analisar o percurso efetuado por diversas personagens femininas de Clarice Lispector, na deriva dos modelos de género impostos pela norma sócio-cultural conservadora e sexista - a genderização construída pela tradição hegemónica.

Será a partir destes géneros normativos que as personagens clariceanas em questão, confrontadas com uma imagem ou um acontecimento de caráter iniciático, tomam consciência quer da sua alienação identitária, quer da marginalidade dos seus papéis sociais, demarcarcando-se de tais realidades mediante diferentes formas de subversão e de afirmação de uma nova identidade perante si mesmas e/ou no confronto com o mundo.

Na fundamentação teórica do texto, serão convocados trabalhos de Erving Goffman, Elisabeth Badinter e Deborah Cameron.

************

 

Maria João Simões – Universidade de Coimbra

Representações da mulher como “ser à margem” na arte:  personagens de Adoecer de Hélia Correia

A marginalização da mulher surge representada na obra de Hélia Correia com grande sensibilidade, sem, no entanto, as suas ficções deixarem de manifestar a dureza das situações em que a mulher é empurrada para um viver à margem ou nas margens daquilo que é aceite socialmente por ser confortável ou fácil. A este propósito, as personagens da obra Adoecer desenham um conjunto de situações diferenciadas, nas quais a mulher luta pelo reconhecimento do seu valor no mundo da arte e dos artistas.

Este trabalho terá como objetivo estudar essa variedade de situações da in(ex)clusão da mulher no mundo artístico representado no romance, investigar o modo como as personagens são representativas de diversos períodos históricos e ainda analisar a simbologia das diversas formas de resistência ou desistência a essa marginalização. Atentar-se-á ainda no modo como as personagens são construídas por várias camadas que remetem para a dualidade entre corpo e espírito e para a tensão entre singularidade e complexidade, deixando entrever, no hibridismo das suas vozes, diversos posicionamentos ideológicos.

************

 

 

Maria Lucia Wiltshire de Oliveira - UFF

O feminino figural em Maria Gabriela Llansol

O feminino figural em Maria Gabriela Llansol No trabalho anterior ligado ao Projeto “Marginalidade Feminina no Mundo Lusófono”, defendemos a ideia de que as beguinas dos séculos XII e XII seriam herdeiras da “dona pé-de-cabra”, personagem da conhecida historieta medieval encontrada num Livro de Linhagens, representativa das mulheres punidas por sua independência e destemor no momento em que o modelo patriarcal confiscou em definitivo os poderes do feminino até então presentes em sociedades célticas e germânicas da Alta Idade Média. Por sua vez as beguinas se tornaram um modelo de partida para Maria Gabriela Llansol, cujo projeto de escrita começa com a recusa da maternidade: “nesse lugar havia uma mulher que não queria ter filhos de seu ventre.” (LC, p. 11). No colóquio realizado em São Paulo (2015), focalizamos a transposição destas mulheres da História para a textualidade, marcando a sua presença massiva nas duas Trilogias da autora portuguesa: Geografia de Rebeldes e Litoral do Mundo. Ainda em torno do eixo temático “Resistência e marginalização do feminino”, a proposta atual aborda o feminino llansoliano em sua dimensão figural com o fim de observar os matizes culturais e técnicos, e suas derivações contemporâneas, em O Livro das Comunidades (1977), obra inicial e iniciática da autora.

************

 

 

Mauro Dunder e Nicole Guim de Oliveira - USP

Gritos de Dor em Contralto: As Poesias de Noémia de Sousa e Elisa Lucinda e a Condição da Mulher Negra na Literatura de Língua Portuguesa

 

A poesia de Noémia de Sousa (1926-2002) está vinculada a um período fundamental para a construção da poesia moçambicana. Contemporânea de José Craveirinha, Rui Nogar e do angolano Agostinho Neto, os versos da escritora do Catembe estão diretamente relacionados com a construção da identidade cultural de seu país. Nesse sentido, é fundamental notar que a questão da nacionalidade e, em uma esfera mais ampla, da africanidade, está na base de sua escrita. Além disso, o fato de a escrita de Noémia de Sousa trazer à baila a questão da voz feminina em uma cultura de opressão dá a seus versos uma relevância ainda mais profunda, como fica evidente na leitura do poema “Negra”. Nesse sentido, quase meio século após virem a público os primeiros escritos da moçambicana, Elisa Lucinda (1958), poetisa e atriz brasileira, lança, em 1998, O semelhante, obra na qual segue presente a voz que clama por um olhar cristalino, que se volte para a (ainda) cruel condição da mulher negra. Dentre os poemas que o constituem, “Mulata exportação” talvez seja, de longe, o mais controverso, exatamente por não medir as palavras com que se constrói. Este artigo propõe-se a uma leitura cruzada dos dois poemas, a fim de detectar as convergências imagéticas e ideológicas que lhes surgem, tendo como norte a noção de que, no que tange à escrita de um grupo constituinte de uma minoria em dupla instância, os caminhos trilhados pela sociedade estão muito distantes de haverem se alterado significativamente.

************

 

 

Osmar Pereira Oliva – UNIMONTES

Vozes do feminino Em surdina, de Lúcia Miguel Pereira

 

Lúcia Miguel Pereira é hoje mais conhecida pelos seus livros de crítica literária do que pelos livros de ficção. Escreveu e publicou quatro romances:Maria Luísa (1933), Em surdina (1933), Amanhecer (1934), e Cabra-cega(1954). Sem querer parecer feminista ou atrevida, essas narrativas colocam em tensão os papéis sociais e afetivos desempenhados por homens e mulheres, fazendo emergir vozes em surdina, provocando e desafiando a tradição patriarcal e machista. No Brasil, a década de 30 é conhecida como a fase do romance regionalista, essencialmente masculina, com escritores do porte de José Lins do Rego e Graciliano Ramos. É nesse contexto que Lúcia Miguel Pereira se inscreve, com narrativas urbanas e intimista, protagonizadas por mulheres que, mesmo aparentemente subordinadas ao casamento ou ao poder do pai, deixam entrever seu inconformismo e desejo de libertação. Este trabalho pretende, portanto, discutir as anunciações do feminino a partir de vozes baixas, em surdina, para não “incomodar” a ninguém.

************

 

 

Patrícia da Silva Cardoso – UFPR

Mau olhado e uma viagem pelo interior feminino

 

Mau olhado é um título sugestivo de romance. Curto, emana uma força que evoca diretamente o sobrenatural e seu misterioso funcionamento, numa estratégia que costuma ter grande apelo junto ao público. Tendo sido objeto de recepção favorável em seu lançamento, em 1919, o poder de atração deste título, no entanto, não foi suficiente para manter o romance em grande circulação. Pode-se supor que o motivo para sua discreta passagem pela história da literatura brasileira deva-se à inserção do livro numa temática bastante frequentada, qual seja, a da representação sociológica de um determinado contexto nacional – neste caso, a vida nas fazendas do interior paulista antes da abolição da escravatura. É para esse aspecto que chama a atenção Lima Barreto, na resenha que escreve sobre Mau olhado: “Segundo Guyau e pelas suas intenções, classificarei de sociológica a sua [de Veiga Miranda, o autor] interessante novela. Esse tipo curioso da nossa antiga propriedade agrícola, que é a fazenda, pinta-o e descreve-o o autor com minúcia e carinho”. Trata-se, na sua perspectiva, de uma trama que tem como interesse central descrever esse quadro, a ponto de para ele ser digna de nota a presença apenas acidental do elemento escravo no quadro. Ocorre que, quando se lê o romance sem a atenção orientada por seu caráter de descrição sociológica, trava-se contato com aquela força que emana do título, vinculada por sua vez à protagonista, Maria Isolina, jovem que se casa com um homem muito mais velho, proprietário da fazenda, experimentando a partir daí uma trajetória consideravelmente turbulenta, fruto do descompasso entre suas expectativas e a realidade que se lhe impõe com o casamento. Nesta comunicação pretendo investigar o modo como Veiga Miranda lida com a questão feminina – o desejo e as limitações impostas à mulher, num contexto de restrita liberdade –, construindo em seu romance um contraste significativo entre a possibilidade de descrição da realidade objetiva e a dificuldade em mapearem-se as paisagens interiores, como aquela que se descortina, apenas de modo insinuado, em Maria Isolina.

************

 

 

Paula Candido Zambelli – Université Sorbonne Paris 3

A batalha antológica: resgate, inclusão e (re)fundação da tradição literária nas contra-antologias femininas de fins do século XX.

 

A partir do século XIX, no Brasil, a evolução do gênero antológico parece indissociável dos processos que visavam à criação e à transmissão de uma tradição literária genuinamente brasileira : sabe-se que os primeiros cânones românticos materializaram-se nos parnasos, florilégios e cursos de literatura oitocentistas. Consagrada e amparada nas fluidas noções de autoridade e depuração, a forma antológica influenciou o conjunto das práticas letradas do século XX, definindo reputações literárias, princípios estéticos e ajudando a erguer os estreitos contornos da história cultural brasileira, responsáveis pela marginalização, entre outros grupos, das mulheres de letras, artes e ciência.

A frequente instrumentalização das antologias pelo discurso dominante pode ser, em parte, explicada pelo fato de constituírem um espaço de coabitação e imbricamento dos discursos histórico, literário, estético e ideológico. Curiosamente, pela mesma razão, antologias tornaram-se o objeto editorial de predileção da Crítica Feminista, a partir dos anos 1980, para a publicação dos resultados de pesquisas de resgate dos textos de autoria feminina dos séculos XIX e XX. As contra-antologias femininas, tencionavam, assim, denunciar a exclusão, desconstruir os mecanismos canônicos tradicionais, fundar uma tradição literária própria e, ao mesmo tempo, expandir os limites da história cultural vigente.

Nesta comunicação, pretende-se situar e analisar o projeto antológico do primeiro volume de Escritoras Brasileiras do século XIX: Antologia, obra emblemática do fenômeno aqui descrito. Busca-se compreender tanto os resultados da escolha do gênero antológico como campo de batalha para a revisão da história literária, quanto os desdobramentos ocorridos no interior próprio gênero antológico, finalmente, tão desconstruído quanto a ideia de tradição que se buscava reformular.

************

 

 

Paulo Assunção – Universidade Estadual de Maringá/Faculdade São Bento-SP

Amélia de Leuchtenberg: retrato de uma mulher a margem do poder

 

Amélie Auguste Eugénie Napoléone de Beauharnais, princesa de Leuchtenberg (1812-1873), segunda esposa do imperador D. Pedro I do Brasil (D. Pedro IV de Portugal), é uma das figuras femininas esquecidas em meio a turbulência política do século XIX. A comunicação visa a traçar o percurso biográfico da imperatriz do Brasil e suas andanças pela Europa e América, num momento de transformações sociais e políticas promovidas pelo liberalismo e nacionalismo. A intenção é delinear, por meio da correspondência passiva e ativa, o movimento do espírito de uma mulher envolta pela trama da vida. Desde cedo, a jovem Amélia de Leuchtenberg foi instada a enfrentar desafios como o casamento com um monarca viúvo, pai de cinco filhos e com uma reputação de amante incorrigível. Destemida, ela enfrentou o Oceano Atlântico e as dificuldades que emergiram, carregando no peito a saudade. Pouco tempo duraria o seu reinado nas terras tropicais. Após a abdicação de D. Pedro I (1831) ela retorna para a Europa e acompanha o processo das guerras liberais e o movimento do romantismo literário lusitano. Após a morte de D. Pedro (1834) passou a dedicar à filha do casal até o falecimento desta em 1853. A partir de então passou a viver reclusa no Palácio das Janelas Verdes, sem deixar de atuar na benemerência, demonstrando uma atenção extremada para com familiares e amigos. Contudo, a sua atuação foi minimizada devido à posição marginal que ocupou em relação ao poder de D. Maria II, D. Pedro V e D. Luís. A comunicação visa a traçar um retrato da força política, cultural e assistencial de uma mulher a margem do poder.

************

 

Paulo Motta Oliveira – USP

Uma Ana pouco plácida e seu destino crítico

 

O objetivo de nosso ensaio é refletir sobre a trajetória de Ana Plácido e do papel que Camilo Castelo Branco teve no quase apagamento de sua obra. Partindo de Luz coada por ferros (1863) pretendemos analisar alguns aspectos do destino crítico da escritora ao longo dos séculos XIX e XX.

************

 

Pedro Marques – Instituto Camões
Estratégias de defesa da mulher no século XVIII e o género editorial papel volante

Em 1975, o ensaísta Arnaldo Saraiva aplicou o conceito de literatura marginal/izada à chamada literatura de cordel, aqui designada por papel volante. O conceito de Saraiva su-gere um programa de aproximação a esta literatura que parece ser, pelo menos intuitivamen-te, produtivo. Por um lado, torna a distinção romântica entre produção popular e erudita irrelevante; por outro, reavalia o problema em termos de uma subversão de valores. O con-ceito de marginalidade assinala assim uma alteridade em relação às formas editoriais presti-giadas.
Por outro lado, como explicar que à designação de cordel ou papel volante corresponda uma grande diversidade de temáticas e de formatações textuais? A expressão papel volan-te em particular oferece uma designação branca que não nos oferece uma caracterização definitiva deste tipo de produção editorial, antes remete para a inexistência de uma unidade de prestígio temático. De facto, enconramos papéis de medicina, conselhos práticos, agri-cultura ou história; temas enquadrados por tipologias como polémica, jornalismo, carta, tea-tro, prosa ou poesia.
Entre esta literatura, encontramos uma série de doze publicações que, de 1715 a 1812, faz a apologia da mulher. Este número corresponde a cerca de vinte edições até meados do sécu-lo XIX. A maioria aparece como resposta a onze textos misóginos, que atingem cerca de trinta edições nos séculos XVIII e XIX. Mesmo assim, o número de publicações antifemi-ninas ultrapassa em muito as doze que directamente participam nesta polémica.
Acreditando que os papéis volantes, como literatura marginal/izada, acarretam uma subver-são de valores - cabe perguntar a) como se concretiza esta subversão no perfil editorial do papel volante; isto é, cabe perguntar como e se o género papel volante transforma os temas e os formatos textuais, e b) em que medida a produção pró-feminina encontra no género papel volante um espaço de alteridade e marginalidade.

************

 

Pedro Schacht Pereira - The Ohio State University

Com quantas margens se alinhava um centro?

Rememoração do Portugal Póscolonial em Esse Cabelo de Djaimilia Pereira de Almeida

Partindo do cabelo crespo como metáfora da memória conflitiva de uma africanidade portuguesa, e de uma portugalidade vivenciada como distanciamento em relação aos mitos identitários hegemónicos, a recente obra Esse cabelo (Teorema, 2015), de Djaimilia Pereira de Almeida propõe uma reflexão crítica e poética sobre a construção da memória na encenação da identidade, que é também uma profunda meditação sobre o papel que a escrita literária pode desempenhar no melancólico trabalho de pensar o que significa “ter um país”. Esta comunicação procurará traçar as diferentes dimensões da marginalidade que se manifestam no texto de Esse cabelo, bem como entender como se articulam elas na construção de um centro de enunciação a partir do qual se possa imaginar um Portugal mais inclusivo em relação às diferenças que sempre o constituíram.

************

 

Sandra Leandro – Universidade de Évora

Capas: ilustres mulheres artistas ilustram / primeiras décadas do séc. XX em Portugal

 

Marginal ao domínio das Belas-Artes e geralmente observado na época como “coisa menor”, a Ilustração serviu com frequência quer para mulheres artistas, quer para homens, como fonte de rendimento certo, ou complementar, à Pintura ou Escultura de que sempre foi difícil viver em exclusividade. Certo é também que Portugal tem vivido épocas de ouro no domínio da Ilustração, como nas primeiras duas/três décadas do século XX. De resto, estamos actualmente num outro momento de excepção considerando a qualidade dos(as) ilustradores(as), sendo esta actividade cada vez mais apreciada e valorizada. Nem sempre foi assim. Pretende-se com esta comunicação resgatar do esquecimento diversos trabalhos, procurando uma genealogia para o espantoso tempo que vivemos nesta área. Iremos deter-nos especificamente nas capas concebidas por algumas artistas como Raquel Roque Gameiro (1889-1970), Alice Rey Colaço (1893-1978), Sarah Affonso (1899-1983), Maria Adelaide Lima Cruz (1908-1985), Guida Ottolini (1915-1992), entre outras. Que livros terão elas ilustrado?

************

 

Simone Formiga - Centro de Estudos Interculturais (CEI) do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP

Características de brasilidade e suas marginalidades

 

O trabalho apresenta resultados da tese intitulada As representações nas vossas cabeças: sobre o estereótipo da mulher brasileira que habita o imaginário português. São analisadas imagens de atrizes/celebridades brasileiras retiradas de revistas generalistas portuguesas e verifica uma possível hipersexualização da mulher brasileira.

Partiu-se da hipótese, que foi confirmada, de que as representações midiáticas do estereótipo da mulher brasileira servem como um mecanismo simbólico de contraste perante uma virtude atribuída à mulher portuguesa.

Utiliza-se o conceito de Lippmann, “Na maior parte dos casos nós não vemos em primeiro lugar, para então definir, nós definimos primeiro e então vemos. (...) tendemos a perceber aquilo que captamos na forma estereotipada para nós por nossa cultura” (2008).

Luciana Pontes acrescenta o conceito de estereótipo da mulher brasileira que habita o imaginário português e trata da exotização das mulheres imigrantes brasileiras em Lisboa. Segundo a autora, a imagem da mulher brasileira acaba por ser constituída por atributos de “brasilidade”, que estão relacionados com a etnicidade e a morenidade. (2004).

Percebeu-se que a atribuição de uma hipersexualidade à mulher brasileira em Portugal é real e os elementos para o entendimento das origens deste conceito foram fornecidos pela História.

O corpus foi retirado das revistas Focus e Sábado. As imagens foram analisadas cronologicamente e foram lidas a partir de características de análise pré-estabelecidas, desenvolvidas e embasadas nos conceitos de pré-iconografia, iconografia e iconologia de Panofsky. O pensamento de Bourdieu sobre o conceito de habitus, “a identidade social define-se e afirma-se na diferença” (2004) — também foi um referencial.

Apesar de terem sido encontradas dez representações de atrizes/celebridades brasileiras hipersexualizadas, não se pode afirmar que hipersexualização seja um atributo de brasilidade. Porém, a análise do corpus aponta para atributos de brasilidade como: beleza, sensualidade, magreza, juventude, naturalidade em exibir o corpo e hipervisibilidade, atributos que, de certa forma, estão associados à hipersexualização.

************

 

 

Susana Antunes - University of Massachusetts, Amherst (USA)

Cais do Sodré Té Salamansa: existências à margem nos contos de Orlanda Amarílis

 

Orlanda Amarílis (Santa Catarina, Ilha de Santiago, 1942), primeiro nome feminino de destaque na literatura cabo-verdiana, apresenta no livro de contos Cais do Sodré Té Salamansa (1974) existências de quotidianos marginais da mulher cabo-verdiana dentro ou fora das dez ilhas, realçando o seu carisma de resistência. Ao longo dos sete contos que compõem o volume, Orlanda Amarílis entrelaça um cenário físico e vital cujo itinerário se inicia na praça lisboeta do Cais do Sodré e termina na praça de Salamansa, na ilha de São Vicente, Cabo Verde. As narrativas apresentadas acontecem em espaços diferentes, mas confluem num lugar-comum: o (não-)lugar da desolação, da marginalidade, do desencanto – título do conto central do livro. Muito longe do final feliz desejado, os contos transmitem, a partir de diferentes perspetivas, paradigmas de modelos de frustração de quem está fora do seu contexto sociocultural, de quem não teve possibilidade de sair das ilhas e ainda de quem saiu e regressou já “um outro”. Habitados por carências e deceções advindas da excisão espiritual e cultural de quem não pertence a lugar nenhum, a representação desta estranheza, desta existência fragmentária como as próprias ilhas traduz-se na expressão da crioulidade mediante a fusão do natural com o sobrenatural em conjugação com a crítica social e racial projetada através do olhar feminino das personagens principais – na verdade, só em um dos sete contos a ação se centraliza em torno de uma personagem masculina. Os questionamentos que surgem do confronto do “eu” com o “outro”, a representação do feminino no exílio, a memória presente nos encontros/desencontros e o manifesto esquecimento são alguns dos aspetos presentes na escrita de Orlanda Amarílis. A perspetiva de lugar e de espaço apresentada por Yi-Fu Tuan, a dimensão de exílio abordada por Michael Seidel e a representação da memória segundo Jacques Le Goff são alguns dos fundamentos teóricos que sustentarão a abordagem proposta. Em Cais do Sodré Té Salamansa, Orlanda Amarílis elege o desencanto como o delicado fio circular que une todas as personagens como missangas: todas diferentes, mas suspensas no/pelo mesmo fio da marginalidade. 

************

 

 

Tobias Brandenberger - Georg-August-Universität Göttingen

Mulheres à margem: problemas da personagem feminina na ficção de Quinhentos

 

Se a primeira narradora da História de Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, personagem principal de uma enigmática peripécia, se encontra "tão longe de toda a gente" por vontade própria, convertendo a solidão do seu sofrimento amoroso em estímulo criativo vincadamente "genderizado", tais características dum isolamento feminino são absolutamente extraordinárias na literatura do século XVI.

De facto, outras personagens femininas na narrativa portuguesa da época apresentam tipos de exclusão ou afastamento completamente diferentes que, por sua vez, contribuem para formas significativas de marginalidade.

Tentar-se-á no nosso trabalho uma abordagem das figuras de mulheres marginais no romance português de Quinhentos desde a perspectiva dos gender studies literários, com particular atenção para os elementos de transgressão e/ou opressão veiculados e funcionalizados pelo narração.

************

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

bottom of page