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Albertina Pereira Ruivo - Universidade Nova de Lisboa

A relação entre criadas e patrões na segunda metade do século XIX, em O Primo Basílio, de Eça de Queirós

 

Em O Primo Basílio, Eça de Queirós, debruça-se sobre a problemática da existência feminina durante a segunda metade do século XIX. Época em que a pequena e média burguesia procura viver conforme os ensinamentos das suas leituras românticas. Tanto homens como mulheres vivem situações controversas para salvarem as aparências. A mulher burguesa deve viver dentro do cânone do romantismo, não trabalha, leva uma vida mundana e regulamentada.

Para respeitar as regras impostas pelo mundo das aparências, a burguesia deve ter mais do que uma criada ao seu serviço. Ao dar um lugar importante à condição das criadas, Eça introduz um aspecto inovador no seu romance. Estas são exploradas pela pequena burguesia que para conservar a sua posição social, as obriga a trabalhar sem condições nem regalias. Situações que, em certos casos, conduzem as serviçais a ultrapassarem os limites, insurgindo-se contra a tirania dos patrões.

Num primeiro tempo, veremos como mulheres honestas, que vão para a capital para conseguirem uma vida melhor, se tornam vítimas das aspirações burguesas dos patrões; em seguida observaremos as circunstâncias que as levam as transgredir as regras, para terminar analisaremos como se opera a revolta entre proletariado e patrões.

 

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Algemira de Macedo Mendes – UESPI/UEMA

Imagens e Representações de Gênero na Narrativa de Paulina Chiziane

 

Este estudo examina as obras da escritora moçambicana Paulina Chiziane, Niketche- uma história de poligamia (2004), O canto alegre da perdiz, (2008) e Balada de amor a ao vento, (1990) a luz das teorias feministas e pós-coloniais a partir de: Stuart Hall (2000), Joan Scott (2011) e Spivak (2010), dentre outros. Paulina Chiziane, voz transgressiva em meio à produção da literatura pós-colonialista dos países africanos de língua portuguesa é a primeira mulher a escrever romance em Moçambique. A autora, problematiza em suas obras a questão do feminino, e o faz com maestria tanto em Niketche (2004), como Balada de amor a ao vento, publicada em (1990) e O canto alegre da perdiz, (2008). Em Niketche, especificamente, desenvolve uma narrativa em que a voz do feminino recupera as histórias da tradição ressignificando-as. Enfatiza as marcas do discurso da oralidade e a voz feminina aponta para um questionamento e para a ruptura daquilo que aprisiona e oprime as atitudes e desejos femininos na sociedade moçambicana pós-colonial.

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Ana Carolina Lazzari Chiovatto - USP/UP

A Santa e a Puta: a dicotomia estereotípica na novela "A Feiticeira", de Ana de Castro Osório

A escritora portuguesa Ana de Castro Osório (1872-1935), autora da importante obra Mulheres Portuguesas (o primeiro manifesto feminista português), é conhecida por ser uma das primeiras feministas e ativistas republicanas em Portugal. Em 1908, publicou a narrativa "A Feiticeira", no livro Quatro Novelas,  que conta a história de um rapaz dividido entre duas moças, uma muito boa e cheia de pudor, e outra, mais risonha e fogosa. Ao final da história, narrada do ponto de vista do rapaz, revela-se que esta última é uma bruxa, e o protagonista casa-se com a primeira moça. Essa novela se mostra interessante por trazer a questão do lugar da mulher e de sua condição, apesar do tratamento estereotípico com que as personagens são trabalhadas. Com isto em mente, a partir dos estudos de gênero e à luz da obra As Quatro Mulheres de Deus: a puta, a bruxa, a santa e a imbecil, de Guy Bechtel, o presente trabalho procura analisar a novela de Ana de Castro Osório a fim de entender, discursivamente, como ela parece propagar a dicotomia estereotípica entre a mulher boa e recatada e a mulher má e despudorada.

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Ana Cláudia Suriani da Silva - University College London

Capitu, Madalena, Macabeia e Teresa contra o narrador elegíaco

 

Nesta comunicação, os romances brasileiros Dom Casmurro (Machado de Assis, 1900), São Bernardo (Graciliano Ramos, 1934), A Hora da Estrela (Clarice Lispector, 1977) e Um beijo de colombina (Adriana Lisboa, 2010) serão comparados a partir de um elemento comum: a narração interlacada da trajetória do narrador masculino e da sua heroína, cuja voz é silenciada ou está mesmo ausente, porque já morreu quando a narrativa começa ou por não deter o poder da escrita. Nos romances de Machado de Assis e Graciliano Ramos, o ponto de vista masculino predomina, como no romance elegíaco, porque seus autores seguem modelos narrativos canônicos, que preferem narradores masculinos e pela situacão de dependência sócio-econômica da mulher na sociedade patriarcal brasileira. A comunicação discutirá a forma como os romances de Clarice Lispector e Adriana Lisboa problematizam e desafiam a relação tradicional entre narrador e heroína, construída pela narrativa em primeira pessoa.

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Ana Cristina Comandulli - UNIRIO

Entre os Grimm e Garrett existiu uma mulher: a cultura popular por MariaPeregrina de Sousa

Maria Peregrina de Sousa (1809-1894) foi um nome da literatura portuguesa do oitocentos que muito escreveu nos periódicos de seu tempo. Na Revista Universal Lisbonense os seus textos versavam sobre crenças e tradições populares do Minho, e foram essas publicações que fizeram que ela se tornasse, segundo J. Leite de Vasconcelos, uma precursora dos estudos etnográficos em Portugal. O objetivo dessa comunicação é apresentar a forma com que Peregrina descreveu, com certa crítica, o universo da cultura popular em Portugal no século XIX.

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Anabela Galhardo Couto - IADE

Centro e margem no discurso amoroso feminino no período barroco

 

O discurso amoroso do período barroco, veiculado pela poesia lírica, corresponde em boa parte ao edifício do amor idealizado platónico-petrarquista que no barroco se exarcebou e cristalizou, tal como V. Aguiar e Silva, entre outros, evidenciou. Como se sabe, tal edifício corresponde a um sistema amatório altamente codificado e convencional, atravessado por um conjunto bem delimitado de temas, motivos e iguras. Nesse edifício, masculino e feminino, sujeito e objecto do discurso amoroso têm um lugar rígido, demarcado e intransferível. Centrado no sentimento do sujeito-amante, invariavelmente identificado com a figura masculina, esse aparelho reserva à figura feminina o papel de objecto inacessível de amor, mero pretexto para o canto de exaltação amorosa do sujeito. Trata-se de uma erótica espartilhada entre sujeito-do-discurso-amante e objecto-do- discurso-amada.

Nesse contexto, torna-se interessante encarar a produção lírica femina, que entre os séculos XVII e XVIII, em Portugal, conheceu algum desenvolvimento.

Partindo de um corpus lírico de autoras tais como Sóror Violante do Céu, Sóror Antónia S. Caetano, Sóror Maria do Céu, Sóror Madalena da Glória, esta comunicação propõe-se reflectir sobre o modo como se articula a relação centro/periferia, norma/margem, no quadro dessa produção literária. Partindo de um lugar marginal, relativamente à instituição literária, enquanto mulheres-autoras, estas escritoras alimentam com o centro uma dialéctica particular que lhes é conferida pelo seu estatuto singular de mulheres-religiosas. Por outro lado, no que respeita ao discurso amoroso veiculado, essa dialéctica norma/margem ganha contornos de transgressão, quando se está perante um discurso que quase sempre assume o prisma da mulher, enquanto sujeito-amante.  Partindo do aparelho tradicional, estas vozes líricas femininas subvertem e transgridem os tópicos da cartografia amorosa hipercodificada que a época desenvolveu, imprimindo-lhes subtis fissuras. Retomando esses tópicos, ora os adaptam, aplicando-os no feminino, ora os invertem e  subvertem, neles introduzindo  pontos de fuga,  ora lhe introduzem novas inflexões, dessa forma esboçando uma outra visão de amor, que em muito se afasta já do discurso amoroso dominante.

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Anabela Morais Brás - UCP Braga

Balbina, Josefina e Emília: a configuração teatral da marginalidade no feminino, na peça inédita Fatal Dilema de Abel Acácio Botelho

 

Balbina, Josefina e Emília constituem o universo feminino da peça teatral inédita Fatal Dilema, drama em 3 atos (1893), de Abel Acácio Botelho. Através da sua composição e ação, bem como das personagens masculinas que com elas se relacionam, o dramaturgo representa, em palco, temáticas e ambientes que lhe são caros na narrativa. Assim, num ambiente aristocrato-burguês coevo, Botelho faz desfilar a mulher moral e socialmente inatacável (Balbina), à qual se opõem mulheres transgressoras, quer por se encontrarem numa situação socialmente marginal (Emília), quer por desfrutarem livre e frivolamente de seus desejos amorosos (Josefina). No fundo, estas mulheres situam-se no centro ou na periferia das normas que regiam a expectável conduta social e moral das mulheres nos finais do século XIX português, dando assim corpo aos vícios que o público teatral reconhecia como seus ou próximos de si, numa tentativa de expor os males de uma sociedade em degenerescência, com o intuito de a educar para, concludentemente, a redimir.

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Andreia Castro - UERJ

Santas pecadoras e pecadoras santas: o feminino nos Mistérios de Lisboa

 

A presente comunicação tem como objetivo evidenciar como Camilo Castelo Branco, em Mistérios de Lisboa, discutiu a situação das mulheres que ousavam transgredir ou, simplesmente, não se encaixavam no padrão social vigente. Órfãs, perdidas, adúlteras e prostitutas eram perseguidas, mas também se valiam da religião para se reabilitar, demonstrando que no ordenamento sociocultural do Portugal dos oitocentos quase nada era completamente desprovido de significação ou sentimento religioso.

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Andreia Oliveira - Universidade de Coimbra

Who’s afraid of Yolanda Morazzo?

 

Figura importante do mundo lusófono com uma intervenção significativa nas áreas da cultura e da literatura, a poetisa cabo-verdiana Yolanda Morazzo moveu-se no espaço compreendido entre Cabo Verde, Portugal e Angola e, à semelhança de muitas outras mulheres escritoras, foi apagada e colocada na margem. Só em 2006, com a edição de Poesia Completa (1954-2004), sob a chancela da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, é que o seu nome volta a ganhar alguma visibilidade, mas ainda não a que lhe é devida, tendo em conta não só a qualidade do seu trabalho poético, mas também as suas facetas de cronista, de professora de línguas e de colaboradora em publicações cabo-verdianas de referência. Autora de quatro livros de poesia que correspondem a fases cronológicas distintas, nas principais temáticas do seu universo poético, entre outras, destacam-se o feminino e as suas vivências, bem como a relação do sujeito poético feminino consigo, com o outro, o mundo ao seu redor e o amor/erotismo/sexualidade. Neste sentido, esta comunicação visa, por um lado, apresentar esta figura feminina do mundo literário lusófono cujo percurso pessoal e profissional foi (e é ainda) deixado na margem e, por outro, discutir a representação desta mulher escritora como um ser marginalizado e a representação do feminino que atravessa, de uma perspetiva geral, as suas obras: Velas Soltas (1954-1960), Cântico de Ferro (1960-1966), Lumenara (1967-1979) e Cântico da Integração Cósmica (1980-2004). Em complementaridade a estas problemáticas, pretende-se igualmente estudar o caso de Cabo Verde no que concerne à mulher enquanto criadora e produtora de literatura, analisando diferentes aspetos de teor cultural, histórico e socioeconómico que contribuem, entre outras, para a diferença acentuada entre o número de escritores e escritoras pertencentes a esta literatura.

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Angela Laguardia - CLEPUL-Lisboa/ UFMG 

Maria Lacerda de Moura: à margem de seu tempo e além dele

 

Maria Lacerda de Moura (1887-1945) foi educadora, escritora, oradora brilhante, jornalista, intelectual militante e uma “feminista utópica”, como afirmou a estudiosa de sua obra Miriam Lifchitz Moreira Leite. Motivada pela força propulsora de seus ideais educacionais, humanitários, pacifistas e espirituais, exerceu diferentes papeis, muitos deles contrários à sociedade vigente, e por isto silenciada por décadas. Através da análise de algumas de suas palestras e obras iniciais, sua correspondência e outras fontes pertinentes, procuramos compreender neste trabalho suas motivações, ideais e os fatos que marcaram seu percurso, entre a utopia e o exílio; à margem de seu tempo e além dele.

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Cândido Oliveira Martins - UCP (Braga)

Re-visões contemporâneas da mulher como ser diabólico

Consabidamente, uma das formas mais ancestrais de inferiorizar e marginalizar a mulher consistiu em associá-la à bruxaria e ao demoníaco, originando diversas formas de violência. A literatura portuguesa não foi excepção neste processo, como exemplarmente expresso na velha lenda medieval da Dama Pé de Cabra. Ora, depois de revisitações diversas, nomeadamente românticas, esta lenda influente e este imaginário disfórico conhecem ainda alguns ecos significativos na literatura portuguesa contemporânea.

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Carla Gago - Universidade Nova de Lisboa

Adúlteras adulteradas em O Primo Basílio de Eça de Queirós - Reflexões sobre a mulher transgressora no romance de adultério do século XIX europeu

 

Mesmo em estudos mais recentes sobre O Primo Basílio de Eça de Queirós é sublinhada a passividade, a falta de vontade e a impotência de Luisa, a protagonista do romance de adultério da Literatura portuguesa.   O que propomos aqui é uma nova leitura desta figura feminina transgressora a partir do pressuposto de que, no romance de adultério do século XIX europeu, O Primo Basílio se constitui como um corpo experimental a vários níveis: a) o motivo das leituras femininas aparece  enquadrado num contexto de representações do masculino e do feminino algo subversivas no quadro familiar de leituras burguesas, não seguindo necessariamente a directiva das leituras românticas perigosas à la Bovary; b) o adultério de Luísa faz com que ela, por um lado, seja levada a valorizar o próprio marido, e por outro, conduza a uma maior harmonia sexual do casal, deixando entrever a perspectiva autoral de que uma maior experiência sexual da mulher seria positiva para o matrimónio; c) a transgressão que é punida com a morte no romance é a da escrita feminina e não a do adultério.

Este nosso outro olhar sobre a nossa mais famosa adúltera ancorado em estudos sobre a representação da mulher nos discursos médicos e literários na segunda metade do século XIX pretende expôr a urgência de novas leituras dos clássicos da literatura portuguesa e apresenta, por outro lado, O Primo Basílio como central para a compreensão do romance de adultério enquanto espelho do contexto social europeu.

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Cláudia Maria Ceneviva Nigro - UNESP / IBILCE

Evidenciando o gênero em produções de mulheres afro-brasileiras

 

A Literatura, assim como outras artes, é uma fonte inesgotável de vida e de representações do mundo. Ao estudarmos, procuramos extrair da linguagem literária transfiguradora, totalmente carregada de significados em sua máxima extensão, condições de percepção da realidade. Os textos não devem ser descontextualizados e reveladores passivos do mundo. Desse modo, o literário ganha forma na ação política, ou seja, mais do que apenas um lugar onde podemos analisar a relação entre linguagem e ideologia. Escritoras afro-brasileiras, estigmatizadas pelo gênero, têm sido condenadas ao ostracismo. Relegadas às sombras recusam o limbo e têm se libertado, propondo um discurso enviesado por uma perspectiva e uma sensibilidade ímpar. Donas de um discurso pautado na expressão condizente com universos pessoais, livram-se na escrita de admoestações, da castração de suas vozes ou o flagelo de seus corpos. O (re)pensar da literatura, por meio da representação que faz da vida mais prosaica como processo de transformação, encontra-se incorporado na linguagem.  Em vista dessa natureza particular, a literatura permite (re)pensar construtos de gênero. Desse modo, pode-se dizer que a ars poética dos estudos de gênero pode funcionar como uma militância artística, uma diatribe veemente e mordaz contra os modelos tradicionais existentes. Trata-se de uma literatura sem remorsos que, abraçando estratagemas políticos que promovem a autodefinição e a total expressão, modifica valores e leis que tornam as instituições e as relações opressivas. Essa fala tratará de problematizar a pluralidade de significados que o gênero traz hoje para a literatura de mulheres afro-brasileiras.

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Conceição Brandão - UCP-Braga

Silêncio e Sombra: o lugar da voz feminina no romance de Lídia Jorge

Os romances de Lídia Jorge acentuam a potencialidade comunicativa da fala interior das personagens, potencialidade essa que, em nosso entender, constitui a matriz inequívoca de grande parte da sua obra. Efetivamente, é a partir da paisagem interior das personagens, em particular das femininas, que escutamos as suas perplexidades, os seus segredos e as suas imprevisibilidades e é nesse mundo à deriva, recortado pelo eterno combate do Homem em busca do sentido indecifrável da existência, que devemos procurar o lugar extremo da voz e as formas atuantes do silêncio.

A (in)comunicabilidade abre, por vezes, um lanho fundo nas histórias que Lídia Jorge nos quer contar nos seus romances e há sangue, medo e esperança revolvendo as páginas das suas obras. O silêncio é então uma voz, no sentido em que permite o resgate do mistério, do imponderável que habita o ser humano e a própria escrita. De facto, creio, deslumbrados que estamos com a festa da palavra, relegamos o silêncio para o plano da loucura, do vazio ou do suicídio da voz. O silêncio questiona os limites de qualquer palavra e recorda-nos que o seu sentido está contido entre barreiras estreitas em face de um mundo inesgotável, que está sempre atrasado em relação à complexidade das coisas. Salientaremos, portanto, a forma como, em Lídia Jorge, o silêncio cavado nas palavras não é linearmente puro silêncio, mas percepção alargada da realidade. E disso, como veremos, nos dá conta uma certa leveza discursiva a mostrar-nos o ângulo feminino da absorção do mundo pela autora.

Para lá do lastro vivo das palavras, abrindo em carne viva as feridas que doem ou sugerindo o alvoroço dos momentos de plenitude, está o que nos consome antes do verbo. A questão da (in)comunicabilidade feminina sublinha, assim, a importância da palavra e leva-nos, por outro lado, a tomar consciência de que o ser pode desenvolver articulações mentais e sensíveis fora da matriz verbal.

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Cristina Costa Gomes - Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa

O corpo que fala e a instituição que o cala. A condenação da Monja da Anunciada

 

A história da vida, marcada por momentos de glória e de drama, de Maria da Visitação, a Monja dominicana da Anunciada, despertou a veia literária de muitos escritores, desde o século XVI até hoje, e chegou ao teatro. Logo no século XVII, Antonio Mira de Amescua serviu-se dela como argumento para uma comédia intitulada Comedia famosa: Vida, y muerte de la Monja de Portugal (1670). Comédia ou tragédia, muita tinta correu, no veio do tempo, sobre a vida da “Monja de Lisboa”: Fr. Luís de Granada, Camilo Castelo Branco, António Baião, Fr. Alvaro Huerga, dedicaram-lhe largas páginas. Agustina Bessa Luís, com deliciosa habilidade, dedicou-lhe um romance, A Monja de Lisboa.

O “teatro do corpo”, que agitou fortemente a sociedade portuguesa na segunda metade do séc. XVI e conheceu profundos ecos fora do país, envolveu Maria da Visitação num dos processos mais visíveis e conhecidos da Inquisição portuguesa, tendo este culminado com a sua condenação, a 8 de Dezembro de 1588, à reclusão e ao silêncio no Mosteiro de Nossa Senhora da Graça, em Abrantes.

 A Inquisição utilizou todos os meios para silenciar esta mulher. Afastou-a dos olhos dos crentes e intentou destruir todos os seus objectos pessoais: retratos, relíquias, textos e documentos. Mas, alguns destes últimos sobreviveram... A memória das palavras e das imagens deste processo testemunham, como será analisada nesta comunicação, a luta nunca terminada entre o corpo que falou e a instituição que o procurou calar através da obediência. 

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Daniel Damasceno Floquet - Universidade do Porto

Um pouco Orlando, um pouco Caliban: fluidez de gênero e identidade em Maria Velho da Costa

 

A comunicação explorará a caracterização de Orlando, personagem de Maria Velho da Costa que atravessa dois romances da autora: Irene ou contrato social (1999) e Myra (2008). Desde o seu nome, que se comunica com o romance homônimo de Virginia Wolf, encontramos no personagem diversas marcas que desafiam as tradicionais fronteiras associadas à dicotomia masculino/feminino: nas atitudes e no corpo de Orlando, encontram-se pulverizados os limites da razão e da emoção, da passividade e da agressividade, do colonizador e do colonizado, bem como outras divisões, como os conceitos de nacional e estrangeiro, ou mesmo as posições de centro e margem na esfera social. Para entender a sua construção, bem como a dimensão política decorrente de sua condição subversiva, propõe-se a utilização de ferramentas teóricas provindas de diferentes correntes dos estudos sobre géneros, como as teorias desconstrucionistas de Judith Butler, além da écriture féminine de Hèléne Cixous e Arleen Dallery. As teorias do sociólogo português Boaventura Sousa Santos sobre os conceitos de identidade e pós-colonialidade serão também evocadas a fim de entender a relação de Orlando com tais temáticas. Por fim, dada a própria importância que a intertextualidade assume na escrita e na fortuna crítica de Velho da Costa, o romance Orlando, de Virginia Wolf, e a peça teatral The Tempest, de William Shakespeare, serão utilizadas na medida em que auxiliam no entendimento das origens literárias do personagem de Velho da Costa.

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Dimitri Almeida - Georg-August-Universität Göttingen

Omnipresentes e invisíveis: o impacto da crise económica sobre mulheres empregadas no serviço doméstico em Portugal

 

Um recente relatório das Nações Unidas aponta para o facto que a crise financeira e económica que tocou nomeadamente os países da Europa do Sul desde 2010 tem tido um impacto particularmente negativo sobre as mulheres em situação de precariedade socio-económica. Os poucos estudos levados a cabo até hoje sobre o caso português confirmam este diagnóstico com base em indicadores económicos nas áreas do emprego e do poder de compra. Os estudos quantitativos baseados em dados macroeconómicos deixam no entanto de lado uma parte da sociedade portuguesa. As mulheres empregadas no serviço doméstico remunerado representam uma grupo importante entre as “invisíveis” das estatísticas oficiais devido à elevada incidência do trabalho não declarado neste sector. Este grupo pode ser caracterizado como afectado por marginalidades múltiplas e cumulativas em termos de estatuto socio-económico, capital educativo e, em muitos casos, de perfil étnico – as mulheres com percurso migratório encontrando-se sobre-representadas nesta categoria. Com base numa série de entrevistas semi-estruturadas realizadas pelo autor com 36 mulheres do distrito do Porto, a contribuição tenta elucidar as consequências da crise económica na vida de mulheres empregadas no serviço doméstico. Longe de poderem ser consideradas como vítimas passivas de um contexto económico nefasto, os resultados da pesquisa realçam as dinâmicas entre marginalidade e centralidade destacando o papel fundamental destas mulheres na elaboração de estratégias familiares para enfrentar a crise.

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Dora Nunes Gago - Universidade de Macau

Resistência à marginalização feminina em contos de Deolinda da Conceição e Maria Ondina Braga

 

Nas obras de Maria Ondina Braga e de Deolinda da Conceição é-nos retratada a sociedade macaense, sobretudo das décadas de 40-60  e a luta das personagens femininas, muitas delas exiladas, pela emancipação. Narram também a vida das mulheres e homens chineses que sucumbiam ou lutavam contra a opressão, a pobreza extrema e as milenares superstições.

Assim, tomando como corpus de análise as obras A China fica ao lado  de Maria Ondina Braga, Cheong Sam, A Cabaia da escritora macaense Deolinda da Conceição, analisaremos o modo como a luta pela emancipação  e liberdade, assim como a resistência à marginalização das personagens femininas é configurada, entrecruzando-se, por vezes, com os árduos caminhos e fronteiras do exílio.

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Duarte Drumond Braga - USP

Autoria e protagonismo feminino em romances goeses e macaenses de língua portuguesa (1980-2000)

 

Esta comunicação vista estudar comparativamente as representações da agência feminina em obras romanescas, escritas em língua portuguesa, de Goa e de Macau publicadas nos anos 80 e 90 e como tal agência se articula com o caso da autoria feminina. Embora haja pouca produção literária nessa língua após a ocupação militar de Goa em 1961 pela União Indiana, há contudo uma literatura memorialística nos anos 80 e 90 (que retrata e dá voz a mulheres) escrita por autores fora de Goa, como Leopoldo da Rocha e Orlando da Costa, o último dos quais publicou em 2000 o importante romance O último olhar de Manu Miranda. No caso de Macau, são precisamente os anos 90 e 2000 os de maior intensidade em termos de edição em língua portuguesa no território. Esta, por um lado, descoincidência e, por outro, forte coincidência entre as literaturas de língua portuguesa de Goa e de Macau pode ser criticamente articulada e refletida pelo viés da agência da mulher, quer enquanto representação, quer enquanto agente dessa mesma representação, o caso da autoria feminina. Temos, por exemplo, a personagem que dá nome ao romance de Rodrigo Leal de Carvalho, Requiem por Irina Ostrakoff (1993) e figuras femininas centrais na trama novelesca, como a goesa de Maria Ondina Braga em Noturno em Macau (1993). O que estas obras possuem em comum é debruçarem-se situações narrativas passadas anteriormente: no caso, anos 50 e 60, o que sugerem a hipótese crítica de uma literatura memorialística feminina do império português na Ásia, a ser explorada neste paper.

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Eduardo da Cruz - UFRRJ

Paulina Campelo: uma portuguesa na imprensa brasileira da primeira república

 

A escritora e educadora portuguesa Paulina Campelo (21/04/1873-14/09/1931), ainda jovem, emigrou para o Rio de Janeiro, onde passou a participar ativamente da vida cultural da colônia portuguesa nessa cidade. Destaca-se em sua carreira a participação no jornal dirigido a seus conterrâneos, o União Portugueza, desde 1899, publicando pequenas narrativas e poemas, além de breves artigos laudatórios e sobre educação. Foi, contudo, seu trabalho como articulista em um dos principais periódicos brasileiros da primeira república, O Paiz, diário de grande circulação, assinando com o pseudônimo de Lia de Santa Clara até a década de 1920, que permitiu que ela atingisse novos leitores e conseguisse publicar suas obras em outros títulos da imprensa. Após rastrearmos suas colaborações em jornais e revistas, procuramos, neste trabalho, perceber como sua situação marginal de mulher e estrangeira aparece representada em seus textos, tanto naqueles dirigidos aos imigrantes como ela, quanto nos que podiam alcançar o público brasileiro em geral.

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El Hadji Omar Thian - Universidade Cheikh Anta Diop Dakar

Le Personnage de la domestique dans La Cousine Bette D'Honoré de Balzac et dans O Primo Basílio D'Eça de Queirós

Personnage très célèbre de la littérature française et portugaise de la fin du XIXe siècle, la domestique est témoin du rayonnement et de la décadence bourgeoise. Elle occupe une place non négligeable dans La Cousine Bette de Balzac et dans O Primo Basílio d’Eça de Queirós. Ces deux romans réalistes ont des similitudes qui nous font dire que le premier a exercé une influence incontestable sur le second. Les domestiques Agathe et Juliana, personnages respectifs de La Cousine Bette et de O Primo Basílio, sont présentées comme les victimes de leurs maîtresses, en l’occurrence Mme Hulot et Luísa Brito. Ces deux domestiques réussissent, dans le souci d’affirmer leur identité, c’est-à-dire leur corps, leur tempérament, leur conscience, à remettre en question les valeurs de leurs maîtresses, celles de la bourgeoisie décadente. L’intérêt de cet article, c’est le regard de ces deux romanciers sur la domestique, c’est-à-dire le féminin. Ce regard manipulé par le narrateur se focalise sur le portrait, les voix, la place dans l’intrigue de ce personnage, porteur de l’identité de la femme laborieuse.

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Elen Biguelini - Universidade de Coimbra

A innocencia socumbiu aos golpes do crime! A situação da mulher na obra de autoria feminina portuguesa da primeira metade do século XIX

A autoria feminina ficou as margens da literatura durante a primeira metade do século XIX em Portugal. Apesar disso, existiram autoras e obras que encontraram formas de reagir. A escrita de romances e textos literários com temáticas reacionárias foi uma destas.

Um romance que tem um claro objetivo de demonstrar a situação das mulheres  é Afra, de  Matilde Leão d’Assis Pereira da Cunha e Castro (?-?) que retrata a vida de uma menina cuja inocência é roubada por meio de uma violação. Já Henriqueta, de Maria Peregrina de Sousa (1809-1894) apresenta ao público a história de uma jovem que resolve fugir com seu amante para o Brasil. E Christina de Stainville ou os efeitos da boa ou má educação de C.E. da C.G (?-?) conta a vida de duas mulheres que seguem caminhos diferentes na vida.

Este trabalho objetiva analisar estes textos feitos por mulheres para perceber o que as escritoras tentaram expressar e que estratégias utilizaram para fazê-lo. Inserindo-se na História das Mulheres, utilizar-se-á a crítica literária feminista, nomeadamente o conceito de anxiety of authorship de Gubar e Gilbert, para procurar compreender  o que queriam e a quem falavam em seus livros.

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Elisabeth Battista - Universidade do Estado do Mato Grosso

Maria Archer – A Experiência Literária de uma intelectual incómoda

Nome marcante na vida e cultura portuguesas, a escritora e jornalista Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira – Maria Archer (1899-1982),  é natural de Portugal e, na época em que viveu, por sua atuação instigante, foi colocada à margem e considerada uma intelectual incómoda. Esta investigação visou contribuir para o estudo de autoras da literatura de Língua Portuguesa, ainda pouco explorados nas relações literárias entre Brasil, Portugal e África. Elegemos como finalidade dar visibilidade ao percurso singular da autora selecionada que, embora tenha legado expressivo contributo literário, ficou relegada à marginalidade.  Este fato levou-nos à Maria Archer que, tendo nascido no limiar do século XX viveu parte de sua vida entre Portugal, África e Brasil. No conjunto de sua intensa produção criativa – 32 livros – identificamos um diversificado painel de pontos de interesses, aparentemente divergentes, cujas obras transcendem os limites estabelecidos pela geografia estendendo-se à África, Brasil e Portugal. Assim, pudemos encontrar um farto repertório temático à disposição dos leitores, consubstanciado na maior riqueza de gêneros, desde livros infantis, novelas de cunho sentimental, romances, ensaios, crônicas, artigos, relatos de viagens, até teatro e traduções. No percurso desta investigação que teve, em seus primeiros passos, a intenção de catalogar de toda contribuição da autora à imprensa brasileira, levou-nos consequentemente a um inventário de sua atuação junto ao núcleo de exilados portugueses no Brasil. De 1955 a 1977, Maria Archer, veio cumprir um largo exílio em terras brasileiras. Aqui, como nos espaços ibero-afro-americano, tornou-se um dos mais destacados nomes de mulher pela contribuição à imprensa de Língua Portuguesa. Em sua prolongada escala em terras brasileiras Maria Archer realizou, pelo intrincado território da escrita para jornais, uma conexão entre o Índico e o Atlântico interligando-os pelo horizonte da literatura. Sua atuação na imprensa trouxe a reflexão pública sobre a resistência dos portugueses à ditadura do regime salazarista vigente no Portugal da época.

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Elisabeth Fernandes Martini - UERJ

O clamor do sexo: marginalidades femininas sob a ótica de Eça de Queirós e Fialho de Almeida

O trânsito entre quatro paredes perdura por um longo tempo como o espaço por excelência da mulher portuguesa, conduzida nos oitocentos à condição de Senhora do Lar. Cabe, no entanto, aos autores finisseculares detectar as mudanças que, com a prevalência do individualismo, sugerem a figuração da mulher enquanto sujeito desejante, acarretando um visível desconforto à família burguesa. José Maria Eça de Queirós (1845 - 1900) e José Valentim Fialho de Almeida (1857 - 1911), escritores gestados e consagrados no bojo da Geração de 70, enunciam em algumas narrativas o movimento feminino em busca da satisfação erótica, ainda que ambos se aliem com a sociedade patriarcal ao considerá-lo um comportamento desviante. A personagem queirosiana Maria da Piedade, do conto “No moinho”, e a Contessina, personagem fialhiana de “O funâmbulo de mármore”, sugerem, em meio a pontos de contato e contrapontos vários, figurações do desejo feminino que proponho abordar.

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Estela Vieira - Indiana University Bloomington

Desencontros entre a mulher e o médico: encontros entre Clarice Lispector e Maria Judite de Carvalho

No último romance da célebre escritora brasileira, Clarice Lispector, A hora da estrela (1977), a heroína e jovem nordestina, Macabéa, tem uma consulta com um médico perto do fim da historia. A protagonista e narradora, Mariana Toledo, do conto epónimo da coleção, Tanta gente, Mariana (1955) da escritora portuguesa, Marida Judite de Carvalho, também se enfrenta com um médico-especialista logo no inicio da narração. Estes desencontros entre a mulher e o médico são emblemáticos não apenas da temática dos dois textos, isto é, da relação entre o indivíduo—e da mulher em particular—e a sociedade, e da sua solidão, alienação e marginalidade, mas também apontam para uma incomunicabilidade fundamental nos projetos literários de Lispector e Carvalho. A partir de uma análise destas duas cenas crucias e colocando o paralelismo dentro das obras e do contexto da escrita feminina e feminista brasileira e portuguesa, esta comunicação comparará como as escritoras usam este conflito entre o feminino e a medicina moderna tanto para subverter o papel supostamente submisso da mulher na sociedade e questionar as convenções sociais como para afrontar a falta de comunicação entre géneros. Não apenas entre a mulher vulnerável e o homem, com o poder sobre o corpo feminino, mas também entre formas literárias. Embora as autoras tenham estilos distintos e existam outras diferenças notáveis, elas se assemelham na maneira como através da própria obra poem em causa a própria construção desta. Os textos construem uma fracassada etiologia tanto médica como diegética retratando na linguagem e na estrutura uma frustração com a autoridade, as convenções narrativas e os papéis sociais.

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Evelyn C. de Mello - UNESP

Mulheres engaioladas em tempos de fardaas: representações da mulher como ser à margem em "O pardal é um Pássaro Azul" de Heloneida Studart

O presente trabalho pretende problematizar a construção das personagens femininas na obra “O pardal é um pássaro azul” de Heloneida Studart, escrito e publicado no período referente ao Regime Militar no Brasil, estabelecido em 1 de abril de 1964, cuja vigência se deu até o ano de 1985. Para tanto, dialoga-se com a teoria feminista, uma vez que juntamente ao protesto contra a ditadura, assume-se uma postura de contestação à situação de opressão feminina e à desigualdade de gênero, explicitada especialmente na construção das personagens e na manipulação do foco narrativo. Narrado em primeira pessoa, o romance de Heloneida Studart foca o amor proibido da personagem Marina por seu primo João, que está preso por enfrentar a repressão, entretanto, a trama não possui somente um caráter político no que se refere à Ditadura Militar, pois  além de denunciar os excessos da prisão e o desrespeito aos direitos humanos, a personagem também expõe o provincianismo dos Carvalhais Medeiros, em especial, na figura da avó Menina, que condena as mulheres “impuras” da família ao internato de freiras, assim como exclui da família o neto João, por se tratar de um  homossexual. Nesse sentido, verificar-se-á em que medida a construção do feminino no texto corresponde ao fato de que Heloneida Studart foi uma das precursoras da onda feminista pós-1975, a qual se preocupou com duas frentes de luta: o combate ao regime militar e a marginalização social da mulher.

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Fábio Mário da Silva – Universidade Federal do Sul e Sudoeste do Pará - Instituto de Estudos do Xingu/ Univ. de Lisboa-CLEPUL

Ut pictura poesis: uma leitura de A Dama e o Unicórnio de Maria Teresa Horta – Uma Homenagem à autora

Neste artigo procuraremos, sucintamente, refletir sobre a relação entre a poesia e a pintura, a partir da Arte Poética de Horácio. Seguidamente analisaremos a obra A Dama e o Unicórnio de Maria Teresa Horta procurando apontar algumas características deste livro que tem uma preocupação efetivamente estética no que diz respeito ao diálogo interartes.

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Geise Kelly Teixeira da Silva - Universidade do Porto

As Lágrimas de Maria Madalena: Mar de Amor e Dor

Esta proposta de comunicação tem por objetivo apresentar uma leitura do Canto X do Memorial dos Milagres de Cristo, poema épico escrito pela religiosa cisterciense Soror Maria de Mesquita Pimentel. O núcleo temático do referido canto é a conversão de Maria Madalena, uma das figuras religiosas mais representativas da piedade barroca. Em toda a narrativa do Canto é possível perceber uma fina análise psicológica da pecadora arrependida, cujas lágrimas abundantes, em articulação com a sua detalhada descrição física, emprestam à narrativa uma imagética que sugere a projeção de um “quadro” que se põe diante do leitor. Com base nos preceitos de Aristóteles e Quintiliano, esta comunicação pretende elucidar o modo como essas imagines, atreladas a uma “linguagem das lágrimas”, assumem uma função retórica de persuasão que apela ao pathos do leitor no sentido de estimular a meditação individual e a devoção à Maria Madalena. Com efeito, pretende-se sublinhar os procedimentos retórico-poéticos, nomeadamente a nível da inventio e da elocutio, que concorrem à esse efeito de visualização, corroborando a ideia de que, ao trazer para “diante dos olhos” aquilo que se narra, é possível intensificar a comoção do público que se pretende atingir. Assim, para o caso do canto dedicado à Maria Madalena, as lágrimas que ela verte copiosamente enunciam para o leitor devoto a necessidade de conversão em consonância com as estratégias pedagógicas tão correntes no contexto pós-tridentino.   

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Ilca Vieira de Oliveira - UNIMONTES/CAPES

Cecília Meireles: a Palavra, o Silêncio e o Espectro

 

Este texto tem como objetivo trazer à luz uma abordagem crítica sobre o processo de criação artística e a relação que o artista estabelece com a sua própria obra. Ou seja, como determinado livro é deixado à margem pelo poeta ao longo de reedições e publicações de sua produção poética. Destaca-se, aqui, o livro Espectros, primeiro livro de poemas de Cecília Meireles, publicado em 1919, que jamais foi reeditado durante a vida da autora e, depois de sua morte somente em edição de 2001, momento em que se comemora o centenário de nascimento da poetisa. Assim, esta reflexão irá pensar a palavra poética, que é silenciada, como uma voz que ressoa em toda poesia de Cecília Meireles, isto é, como o próprio tema do “espectro”, que é evocado nesse primeiro livro será retomado em muitos poemas de outros livros.

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Isa Margarida Vitória Severino – CNPq/UDI – Instituto Politécnico da Guarda

Florbela Espanca e Alejandra Pizarnik- mulheres à margem na escrita e pela escrita

 

Apesar do hiato de tempo que medeia a vida de Florbela Espanca e Alejandra Pizarnik, dos contextos geográficos, políticos, sociais e culturais que as separam, existem muitos vetores de interseção nas obras de ambas as autoras. Florbela Espanca foi uma poeta "à margem", por ser transgressora, por ousar falar do corpo e imprimir o corpo no corpo do texto, conferindo-lhe vontades e desejos audazes, insólitos e impróprios para a sua época. Também a poeta argentina Alejandra PIzarnik foi considerada uma poeta "maldita", por utilizar uma linguagem transgressora e dar um particular destaque ao corpo. Assim, de modo a perceber o papel irreverente e subversivo das poetas em questão e o impacto e animosidade que suscitaram na sociedade do seu tempo, propomos uma análise pelos poemas que consideramos mais representativos para análise desta temática. 

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José Vilian Mangueira - UERN 

A marginalidade feminina na obra de José Lins do Rego: as mulheres do engenho

Na obra de José Lins do Rego, destaca-se o modo como o escritor deu vasão à exploração de um sistema social movido pelo poder do patriarcado. Assim sendo, seus romances focalizam uma sociedade cujo mando é do homem com poderes de senhor dentro e fora de casa. Tal focalização faz com que sua obra conceda ao feminino um lugar de inferioridade social que legitima o poder masculino. Mas, ao mesmo tempo, graças à técnica narrativa utilizada nos textos, vemos que a voz feminina se faz presente, mostrando um elevado grau de discernimento. Com base nisso, pretendemos analisar os romances desse autor inseridos no “Ciclo da Cana-de-açúcar”Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), Usina (1936) e Fogo morto (1943), para destacar o modo como a figura feminina é marginalizada socialmente e como a sua voz ganha destaque na narrativa como representação de ponderação e percepção.

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Juliana Cristina Bonilha - CAPES/FLUL- CLEPUL

Mulheres à margem: diretoras de periódicos literários do início do século

XX no Brasil e em Portugal

 

Resgatar e até reconfigurar o cânone tem sido objetivos da historiografia literária e dos estudos de gênero. Muito já se sabe e ainda há muito a se saber sobre a autoria feminina nos diversos tipos textuais. Das cartas aos romances, passando-se pelos periódicos  nos quais as mulheres imprimiram suas opiniões e permitiram sua exposição, há cada vez mais descobertas que felizmente permitem dar relevância à produção feminina, o que possibilita um avanço no que se refere à igualdade de gêneros. Considerando-se tal panorama, quando se olha a produção feminina na imprensa do século XX, há uma confirmação da imensa colaboração literária executada por mulheres. Se a autoria feminina em periódicos tem cada vez mais sido alvo de pertinentes estudos, muito ainda pode ser explorado a respeito das diretoras e fundadoras que lideraram verdadeiras batalhas ao dirigirem um órgão informativo num momento em que imperava a ideia de fragilidade, das boas condutas e da moral que associavam o sexo feminino ao ambiente doméstico. Sendo assim, propõe-se apresentar algumas fundadoras e diretoras que possibilitaram um alargamento no horizonte da escrita e da criação para outras mulheres no século XX no Brasil e em Portugal, dentre as quais Guiomar Torresão, do Almanach das Senhoras (1871-1928); Virgilina de Souza Salles, da brasileira Revista Feminina (1915-1936) e Judith Teixeira e sua revista Europa(1925). Outras diretoras dos inúmeros periódicos brasileiros serão selecionadas para essa apresentação, que procurará propiciar uma reflexão sobre a autoria feminina e as estratégias encontradas para sua concretização e divulgação.

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